terça-feira, 28 de novembro de 2017

Jornal Tribuna do Pampa (Candiota) - 28 de novembro de 2017




LEIA A NOTÍCIA:

Candiota: Localidade de Dario Lassance não existe mais
Lei que definiu a sede do município em 1997, extinguiu o nome Dario Lassance, que passou a se chamar Cidade de Candiota. Previsão legal também está no artigo 8º da Lei Orgânica Municipal (LOM)

Candiota, por ser uma cidade polinuclear e não mononuclear como a maioria das cidades ao redor planeta, parece viver uma espécie de crise de identidade. Não é possível precisar onde de fato é a cidade em si, pois o município, que tem uma zona rural bem definida, possui, em contrapartida, seis núcleos habitacionais urbanos bem distintos e distantes entre si. 

Essa discussão ganha contornos interessantes no debate do Plano Diretor, que cumpriu na última sexta-feira (24), mais uma etapa importante, quando, em audiência pública, foi apresentada a minuta do projeto de lei que será remetido à Câmara de Vereadores. 

 Na oportunidade se levantou a questão, indagando o fato da localidade de Dario Lassance não mais existir do ponto de vista legal, pois, através de um projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa em 1997, quando se definiu a sede do município como sendo a localidade, também se atestou que ela passava a se chamar a partir daquele momento de ‘Cidade de Candiota’, deixando para trás o antigo nome do distrito bageense e que homenageava o engenheiro Dario Lassance (ver um pouco da história no box). 

Na época, concorreram para também ser sede do município as Vilas Residencial e Operária, contudo, como ainda pertenciam a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) foram descartadas do ponto de vista legal. 

Como desdobramento desta lei aprovada pela AL-RS, a Lei Orgânica de Candiota, em seu artigo 8º, é expressa sobre a extinção: “A localidade de Dario Lassance, que é a sede do município, passa a denominar-se Cidade de Candiota”. Assim, atualmente, do ponto de vista legal, Dario Lassance como localidade não mais existe, contudo empresta nome a três locais distintos em Candiota: à escola estadual, à praça central e ao ginásio municipal – todos localizados na sede do município. 

SEM FORÇA AINDA - A legislação que definiu a sede como sendo Cidade de Candiota, de fato, nunca teve força, pois popularmente e culturalmente, a localidade continuou e continua a ser chamada de Dario Lassance. Também nunca houve esforço para esta mudança, assim como poucas pessoas conhecem o fato. Mais que isso, no próprio esboço do Plano Diretor, bem como, em leis ordinárias e até mesmo no Código de Posturas do município e documentos oficiais expedidos pela Prefeitura e Câmara de Vereadores, o maior núcleo urbano candiotense e que concentra a sede do Poder Executivo, a rede bancária, a Delegacia de Polícia, os principais comércios e a maior população, seguiu sendo chamado de Dario Lassance, inclusive, contrariando a lei maior que a extinguiu enquanto nome. 

Para o coordenador do Plano Diretor de Candiota e Hulha Negra, professor da Universidade da Região da Campanha (Urcamp), o arquiteto Leonardo Castilho, a lei que trocou Dario Lassance por Cidade de Candiota deveria ser mudada, pois no seu entendimento, todas as localidades são um pouco da cidade, além do que, os estudos, segundo ele, mostram a sede sitiada por mineração e com restrições de crescimento futuro. 

Conforme Leonardo, o projeto que organiza Candiota, ou seja, o Plano Diretor, está baseado na possibilidade da cidade um dia se unificar entre os seus vários núcleos urbanos, bem como, se transformar em duas. “Quem sabe teremos uma cidade ao Sul e outra ao Norte”, projeta o professor, lembrando que o Plano Diretor divide Candiota nestes dois hemisférios, tendo ao Sul a Vila Residencial e o antigo núcleo habitacional de Dario Lassance, hoje Sede do Município ou Cidade de Candiota e, ao Norte, Vila Operária, São Simão, João Emílio e Seival. 

A procuradora do município Luciane Cruz, ratificou o fato de Dario Lassance não existir mais, lembrando que na época que a lei foi aprovada pela Assembleia Legislativa, se impôs, por força da legislação, que o núcleo urbano onde seria a sede do município teria que conter obrigatoriamente a palavra Candiota ou senão, mudar o nome da cidade para Dario Lassance, caso se quisesse manter esta denominação e a localidade como sede. 

ESTUDO – Durante a audiência pública, alguns defenderam que a lei que revogou a localidade de Dario Lassance deve ser ignorada, mantendo-se a cultura popular em chamá-la assim. Essa tese chegou a ser colocada em votação durante a audiência, indagando-se aos presentes se mantinha a nomenclatura antiga. Defendendo o uso da legislação, a secretária de Planejamento de Candiota, Fernanda dos Santos (pasta que após aprovado o Plano Diretor será a responsável pela aplicação, eficácia e sua revisão), lembrou que há iniciativas paralelas de aprovação de uma legislação também estadual, para que Candiota seja reconhecida como tal até nas emissões de passagens rodoviárias. “Temos o absurdo das passagens terem como destino a denominação de Terminal CEEE e não Candiota”, expôs, colocando mais um contorno de relevância ao tema. Sem consenso, o assunto ficou de ser mais bem estudado antes do projeto de lei ser remetido em definitivo para a Câmara de Vereadores – que também pode debater a questão, pois, afinal de contas, como o Plano Diretor se trata de uma lei, não pode - sob pena de confusão jurídica -, contrariar a legislação maior do município, qual seja, a Lei Orgânica, que define claramente como Cidade de Candiota o nome do principal núcleo urbano candiotense.

Um pouco de história

Não há precisão da chegada do engenheiro Dario Lassance à localidade. O fato é que ele trabalhava na Viação Férrea do Rio Grande do Sul (VFRGS) e exerceu cargos de chefia, segundo relato do livro Candiota – Terra de riquezas e conquistas – uma viagem no tempo, de autoria de Tailor Lima. De acordo com registros históricos da VFRGS, em 1917, um técnico inglês de sobrenome Appleby organizou uma companhia para exploração de uma jazida de carvão próximo às atuas ruínas do casarão de pedra junto à atual sede da CRM. Ali foi então estabelecido um desvio ferroviário que levava às minas. Não se tem a data de inauguração do desvio que levou o nome do inglês, mas possivelmente foi posterior ao estabelecimento da empresa de Appleby. Em agosto de 1930, o “Desvio Appleby” foi elevado a Parada com o nome de Dario Lassance, que faleceu um mês antes, conforme relatório da VFRGS. Em 1935, a Parada passou a Estação, sendo que em seu entorno, nas proximidades do atual CTG Luiz Chirivino começou a nascer o povoado, sendo um distrito de Bagé até 1992 – ano da emancipação de Candiota.

Falta de definição e aplicação da lei gera confusão

Como dito, legislações importantes e até manifestações e documentos oficiais, seguem contrariando a legislação que sepultou o nome Dario Lassance como sendo um bairro ou uma localidade de Candiota. A indefinição ou não inobservância da própria Lei Orgânica do município gera outras confusões até pitorescas, senão vejamos. 

Uma conhecida rede de materiais de construções, com filial em Bagé, oferece, por meio de uma propaganda de rádio, frete grátis uma vez por semana para as localidades de Hulha Negra, Dario Lassance e Candiota. E o texto da propaganda arremata: “Tudo isso para contribuir com o desenvolvimento desses municípios”, ou seja, tratando o antigo distrito como um município. Pela rodovia Miguel Arlindo Câmara (MAC) nos dois sentidos de chegada à localidade, as placas se indefinem quanto ao nome, grafando Cidade Candiota e Dario Lassance. No Facebook e Google, no quesito localização, o tratamento é Dario Lassance e por certo foi inscrito na internet por alguém que desconhecia a legislação. Vale lembrar que a Vila Residencial até a emancipação também era chamada de Candiota, mas esta denominação perdeu força, sendo ainda chamada assim somente pelos mais antigos. Aliás, neste tocante, a Vila Residencial é tratada pela companhia telefônica (Oi) como um município. 

Outra situação contro- versa é que a Cidade de Candiota já é dividida em bairros, como Loteamento Cimbagé, Morada do Sol, Residencial Candiota, Portelinha, Vila Airton, Residencial Viver Melhor, Loteamento Raupp e Centro, criando outra confusão no endereçamento, pois se utilizar Dario Lassance como bairro, pode dar a entender que se mora num bairro dentro do outro. Pela indefinição também, a sede do Poder Legislativo foi construída a 10km longe do Executivo, os ônibus rodoviários não entram na sede e a agência dos Correios está fora da área central.

EDITORIAL: Não é apenas um nome
Não há qualquer sombra de dúvidas de que trazer à luz o fato de que a localidade de Dario Lassance não existe mais do ponto de vista legal vai gerar polê- mica e debates. Contudo, é preciso estar atento e não cair na armadilha de que a querela é apenas semântica e de uma nomenclatura tão somente. Apequenar este debate é um equívoco político. “Toda lei é relativa a um elemento da realidade física, moral ou social; toda lei pressupõe uma relação”. Assim ensinou Montesquieu (1689-1755) em seu livro mais célebre, ‘O Espírito das Leis’. Nessa obra, Montesquieu, entre vários outros aspectos, analisa que uma lei não reflete apenas uma letra morta, mas precisa ser interpretada em seu espírito, ou seja, as suas motivações e o contexto em que foi elaborada. Neste sentido, quando em 1997, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (AL-RS), sob a indicação e pressão da Câmara de Vereadores de Candiota, aprovou a extinção de Dario Lassance, a proclamando sede do município e a chamando de Cidade de Candiota, ali está estabelecido um modelo de desenvolvimento, qual seja, que a localidade passava a ser a partir daquele momento, o centro das atenções da municipalidade, por ter sido eleita como o principal núcleo urbano e nela ser reconhecida a cidade. Isso não significa que as demais localidades urbanas deveriam ser relegadas ao esquecimento, pelo contrário, precisam ser tratadas com o devido cuidado e atenção, porém, ao que estabeleceu a legislação, é a antiga Dario Lassance que deve ao longo do tempo ir se dotando de estrutura de uma cidade com todas as suas características e não de apenas um núcleo residencial, de bairro ou distrito urbano como as demais. E assim, nesse espírito, que desde a tomada da decisão de transformá-la em Cidade de Candiota – mesmo que culturalmente e popularmente ainda seja chamada de Dario Lassance -, que a localidade foi atraindo os principais investimentos e hoje já ganha características importantes, que naturalmente já a definem como sede municipal, sem mais a imposição de lei. O esboço do Plano Diretor, que em breve será apresentando ao debate da Câmara de Vereadores, estava cometendo o equívoco de ainda tratar a sede do município como Dario Lassance, fato que certamente será sanado. No mais, o estabelecimento do Plano Diretor é de uma importância sem igual, pois é ele que define e indica qual rumo terá o desenvolvimento municipal. Candiota e Hulha Negra foram privilegiadas pela adoção dessa ferramenta, patrocinada pela UTE Pampa Sul, inclusive jogando holofotes também neste assunto.

Lassance
É evidente que a população seguirá chamando a Cidade de Candiota de Dario Lassance (ver matéria principal na edição de hoje, que trata do tema). Talvez para sempre ou quem sabe não. Isso, só o tempo dirá. 

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